15 dias. Um período mais que suficiente para que gaúchos e baianos se integrassem e dessem origem a uma só palavra: os baúchos! Esta foi a sensação que todos nós rondonistas da Unijuí trouxemos na nossa bagagem, quando retornamos a Ijuí no dia 28 de janeiro, explodindo com histórias que foram construídas pelo trabalho realizado em Cansanção-BA (através do Projeto Rondon, Operação Canudos, de 11 a 27 de janeiro de 2013). A história começou a ser escrita já no período de capacitação dos rondonistas. Horas de trabalho entre os meses de dezembro e início de janeiro, que muitas vezes ultrapassavam 10 horas de estudos diários. Era preciso planejar, pesquisar conteúdos e se dedicar para chegar em Cansanção com a proposta estruturada. Construímos Power Point, selecionamos vídeos, fotografias da viagem precursora realizada pelo professor e coordenador Paulo Ernesto Scortegagna, produzimos certificados para serem entregues no final de cada oficina, confeccionamos banners com esquemas das temáticas a serem abordadas, enfim, elaboramos uma série de materiais e cronogramas para nos orientar nos trabalhos.
Além de planejar e discutir dia a dia as novidades e informações que chegavam, a capacitação foi um meio de integrar os participantes que ainda não se conheciam (ao menos alguns). Foi aí que se destacaram cozinheiros, DJs, tocadores de violão, cantores (mais ou menos, né?), entre outros “talentos”! Nesse momento preparatório, dúvidas, medos e inseguranças foram inevitáveis. Afinal, apesar de termos a lista sobre o que levar na viagem, por exemplo, tínhamos receio de levar coisas de mais, coisas de menos: normal para marinheiros de primeira viagem no Rondon.
Quanto mais próxima ficava a viagem, mais correria, expectativas, emoção e ansiedade. Chegada a hora de embarcar, o primeiro desafio: viajar de avião. Grande parte da equipe nunca havia enfrentado o espaço aéreo, ou seja, para mim e para outros rondonistas, a viagem de avião foi a primeira emoção que sentimos. Quantas mãos entrelaçadas, braços arranhados, gritos e olhos encantados de ver tudo lá do alto. Passou, o avião não caiu! Fizemos escala em São Paulo e de lá partimos para Petrolina-PE, centro militar da Operação Canudos. Participamos da abertura, dos primeiros discursos e das primeiras trocas culturais. Destaque especial para a organização do Exército. Desde o transporte, a alimentação no local, até todo o acompanhamento de nosso anjo, o Sargento Uenderson Quecio. Foi tudo admirável. Ah… Sargento! Ele acompanhou todas as nossas caminhadas, nos auxiliando e dando dicas. Um verdadeiro anjo, mais que isso, Uenderson se revelou um verdadeiro poeta. Afinal, sempre desconfiávamos quando ele, quieto, rabiscava ou digitava algo no fundo do ônibus, bingo: ele estava planejando seu discurso. No encerramento das atividades em Cansanção, por exemplo, ele arrancou, sem muito esforço, lágrimas dos rondonistas.
Oficina/Ações realizadas em Cansanção/BA
Ao longo das nove oficinas realizadas, conhecemos e aprendemos com a população cansançãoense. Discutimos temas como fotografia, saneamento básico, agricultura, pecuária, lixo, armazenamento e captação de água. O método idealizado pelos coordenadores (Pesquisa-ação) foi excelente. Mesclávamos um diagnóstico rápido participativo (registro fotográfico do local), com os conteúdos técnicos que pesquisamos e organizamos durante a capacitação anterior. Lá na frente, junto a tela de projeção do data show, não apenas se viam camisetas amarelas, como também, os professores do sertão. Afinal, quem melhor para falar sobre a realidade, senão, as pessoas que vivem e sobrevivem nela? Nos surpreendemos com o que vimos e ouvimos. A participação de todos foi nota 10, ou melhor, mil. Todos se manifestavam, falavam sobre as problemáticas, contavam histórias, exemplos, explicando para nós como é a situação local. Possíveis soluções emergiam dessa troca de experiências. Descobrimos um Brasil que estava longe de nossos olhos e de nossa consciência. Todos sabem das dificuldades que passa um nordestino, mas viver na pele essas dificuldades ou, ao menos, sentir e ver legítimos casos de exclusão das comunidades, no que se refere principalmente a questões de saúde pública foi algo que nos surpreendeu. O simples fato de ligar a torneira e não sair nenhum pingo de água, como aconteceu em vários povoados que visitamos, já é uma grande lição, de que ainda existe um país subdesenvolvido por detrás da máscara dos índices de crescimento do Brasil.
No embalo do sotaque baiano e do sotaque gaúcho se evidenciava a legítima construção do conhecimento. A multidisciplinaridade e interdisciplinaridade que guiavam a proposta inicial, “Ações multidisciplinares na construção de soluções para o desenvolvimento e sustentabilidade”, fazia com que cada rondonista aprendesse um com o outro. Um metia o bedelho na oficina do outro, deixando tudo mais rico e construtivo. No final, qualquer um podia ministrar e falar sobre qualquer tema. Era um por todos e todos por um, sem sombra de dúvida!
Sabíamos que a equipe de amarelinhos estava deixando marcas no local. As mesmas marcas que a cerca de 30 anos atrás já haviam passado por ali. Por onde passávamos, as pessoas conversavam conosco, contando que ainda eram crianças quando o Projeto Rondon desembarcou pela primeira vez na cidade. O Rondon conquistou credibilidade com os cidadãos, foi e é sinal de esperança, cidadania e expectativas de um país melhor. E por falar em expectativas, as nossas foram superadas. Todo trabalho valeu a pena, só pelos olhares e pelo carinho das crianças que corriam para nos abraçar. Que curiosas, pediam mais informações: de onde vínhamos, o porquê de estarmos ali. De mãos dadas, iam nos contando orgulhosas um pouco do local onde viviam, de sua escola, de seus pais. Felizes, nos davam lugar nas longas filas para o almoço. Felizes, também nos viam trazer a sobremesa, “você quer”? Empolgadas, nos pediam para ficar, ou nos indagavam sobre o dia em que voltaríamos a vê-las. No povoado de Cacimbas (17/01), foi quando ficamos mais perto dessa inocência emocionante que é a infância. Foi lá que vimos o olhar úmido de crianças que não queriam que fôssemos embora, ou que, de alguma forma, almejavam não perder o contato: quantos pedidos de amizade novos no Facebook, hein rondonistas?
As crianças são apenas um exemplo de todo o calor humano que nos acolheu. Um calor quente ‘demais da conta sô’, fervendo de amor, hospitalidade, carinho, admiração, satisfação e orgulho. Tá certo que enjoamos um pouco da tal da cor amarela, eu confesso, todos confessamos. Todos os passos fora de casa deveriam ser dados ou de camiseta ou de colete, era regra. Mas não dá para negar que o uso das camisetas amarelas nos proporcionou todos os olhares carinhosos que jamais esqueceremos: “Olha o Rondon aí gente”.
Por todos os lugares que passávamos, seja no aeroporto, nas ruas, as pessoas perguntavam sobre o Projeto, outras, inclusive, se identificavam e paravam para conversar conosco sobre o tempo em que também foram rondonistas. O respeito com que as pessoas nos olhavam e tratavam não tem preço. A gostosa vontade de nos tratar bem,era, literalmente, saborosa. Uma família de Lagoa da Baixa deixou seus afazeres de lado, para preparar a famosa caxicha (Suco de caroço de umbu com leite de licori). Pratos típicos compunham os lanches: suco de umbu (muito parecido com o nosso suco de butiá), beiju de tapioca, suco de caju, goiaba, arroz doce com leite de licori, entre outras delícias. Tudo carinhosamente preparado para agradar os gaúchos. Sem palavras para agradecer por tudo. Apenas uma observação: o nordestino foi escolhido pelo Projeto Rondon pelas suas necessidades, mas com certeza, poderia ter sido escolhido pelo jeito acolhedor com que é capaz de recepcionar as equipes. Fomos recebidos com uma energia positiva que destrói e esfria a seca com a qual são obrigados a conviver. Sem deixar de mencionar o inesquecível coentro, que deixou marcas no nosso paladar. Demoramos um pouco para nos acostumarmos com os temperos “calientes” utilizados na culinária nordestina, se é que nos acostumamos! Mas faz parte.
É nesse embalo que passamos duas semanas quase nos sentindo em casa, morando como uma família normal, enfrentando os desafios de se viver 24h em grupo, de trabalhar 9h por dia, de chegar no quarto e dizer: cama, fomos feitos um para o outro! E o poder do Rondon ultrapassa o explicável: ironicamente, fizemos chover no norte do sertão baiano. Deu até para tomar banho de chuva e correr sobre o chão empossado de água, brincando de pega-pega. Quantos anos temos? Não sei. O Rondon faz milagres, rompe idades barreiras, fronteiras, ideologias, culturas e visões de mundo.
A parceria com os mineiros
E foi rompendo barreiras que nos integramos a equipe do Conjunto de ações A que partiu da UNITRI – MG levando, assim como nós, um espírito de doação e contentamento para a Bahia. Tudo começou assim: “Cheguei, cheguei: só pra ti dizer quem sou/Eu sou o Projeto Rondon/Brasileiro acolhedor”. Ao som da batucada cantamos juntos na abertura oficial no município estes versos elaborados pelos mineirinhos cheios de ritmo. A partir daí muitas amizades foram construídas, muitas risadas dadas, muitas músicas cantadas, dinâmicas realizadas, e muitas vidas cruzadas. Dessa união surgiu o casamento perfeito para que Cansanção tivesse a sua disposição um conjunto de ações completo e rico. No final, na cerimônia de encerramento realizada pelo quartel, acrescentamos mais versos aos primeiros. Alguém deve ter dito algum dia na história humana que tudo o que vira música é porque deve ter sido vivido intensamente. Foi isso o que aconteceu: “Cheguei, cheguei: só pra ti dizer quem sou/Eu sou o Projeto Rondon/Brasileiro acolhedor/Nós fomos para/O município de Cansanção/Os gaúcho e os mineiro se entregaram de coração”. Além de versos, qual será que foi o grito de guerra desse pessoal? Não poderia ser outro: “UAI, TCHÊ”!
A lista de aprendizados cresce sem parar. Já notou? Sem dúvida, como diz o lema do Projeto Rondon, o Brasil é uma sala de aula com mais de oito milhões de km2. Conseguimos realizar as atividades de acordo com a proposta inicial. Nesse ponto parabenizamos nossos coordenadores, Paulo Ernesto Scortegagna e Leonir Terezinha Uhde pela luta, pelas horas sem dormir, pelo esforço e dedicação para que tudo desse certo. Acima de tudo, eles estão de parabéns! Todo o trabalho realizado nos rendeu muito conhecimento. A convivência com a equipe também. As amizades remanescentes dessas relações são preciosas. Amizades entre nós, entre os mineiros, entre as entidades que nos ajudaram a desenvolver os trabalhos, como a ONG HUMANA BRASIL, o Coletivo de Jovens, o Sintraf (Sindicato dos Trabalhadores Rurais e Agricultores Familiares de Cansanção) e a Prefeitura Municipal de Cansanção. Amizades com todo o povo cansançãoense, da galera da pousada onde ficamos alojados, com os demais rondonistas dos outros municípios, enfim, uma infinidade de novas ligações que construímos.
Tem história que não termina mais! Muitas páginas ainda podem ser escritas e muitos “causos” contados. O que ficou foi uma família que riu, chorou, trabalhou, cantou e se dedicou em equipe! Sem palavras para agradecer a parceira e homenagear o esforço de todos esses guerreiros. Os versos de Luiz Gonzaga em “A vida de Viajante” talvez possam deixar a mensagem ideal: “Guardando as recordações/Das terras por onde passei/Andando pelos sertões/E dos amigos que lá deixei”. Fica aqui registrado este breve relato, de histórias e emoções que ultrapassam o descritível, e que ficarão gravadas no coração, na vida e na carreira profissional de cada rondonista. Além de tentar reunir e compartilhar alguns dos momentos vividos pela equipe, estas palavras também objetivam incentivar a todos que participem do Projeto Rondon. Uma lição de vida e cidadania. Vale muito a pena!
Texto: Araciele Maria Ketzer – Estudante do 7º semestre de Jornalismo na Unijuí (Fotos: Equipe do Projeto Rondon Unijuí.)